sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Existe Língua Brasileira?




Aqui no Brasil nós ainda falamos a língua portuguesa. Temos, na minha opinião, um falar brasileiro, que seria um modo brasileiro de usar a língua portuguesa.
O português culto do Brasil é bem semelhante ao português culto de Portugal. Isso significa, portanto, que as diferenças maiores estão na linguagem do dia a dia.

O que existe são variantes linguísticas:

a) variantes geográficas: nacionais (Brasil, Portugal, Angola…) e regionais (falar gaúcho, mineiro, baiano, pernambucano…);
b) variantes socioeconômicas (vulgar, popular, coloquial, culto…);
c) variantes expressivas (linguagem da prosa, linguagem poética).
O importante mesmo é respeitar as diferenças, sejam fonéticas, semânticas ou sintáticas.

Vejamos rapidamente algumas diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal.

Uma diferença fonética bem “visível” é a pronúncia das vogais. Aqui no Brasil, nós pronunciamos bem todas as vogais, sejam tônicas ou átonas. Em Portugal, a tendência é só pronunciar bem as vogais tônicas. As vogais átonas são verdadeiramente átonas (=fracas). Uma consequência disso é a colocação dos pronomes átonos (me, te, se, o, lhe, nos…).

Em Portugal, por ter a pronúncia fraca, não se põe o pronome átono no início da frase: “Dê-me um cigarro”; no Brasil, como as vogais átonas são pronunciadas como se fossem tônicas, não temos nenhuma dificuldade em pôr os pronomes átonos no início da frase: “Me dá um cigarro”. É assim que o brasileiro fala. E quando me refiro ao brasileiro, estou falando do brasileiro em geral, de todos os níveis sociais e culturais. Não estou fazendo referência ao “povo” com aquela conotação pejorativa e discriminatória que alguns ainda atribuem à palavra.

Diferenças semânticas existem muitas. Algumas famosas já viraram até piada. Em Portugal, “uma bicha enorme” não é nada mais do que “uma fila imensa”, sem nenhuma outra conotação que algum brasileiro queira dar.

E diferenças sintáticas também existem. No Brasil, nós preferimos o gerúndio (“Estamos trabalhando”); em Portugal, preferem o infinitivo (“Estamos a trabalhar”). No Brasil, gostamos da forma “você”; em Portugal, usam mais o pronome “vos”: “Se eu lesse para vocês” e “Se eu vos lesse”. Aqui “falar consigo” é “falar com si mesmo”; em Portugal “falar consigo” é “falar com você”. Em Portugal, é frequente o uso de “mais pequeno”; no Brasil, aprendemos que o certo é falar “menor”, que “mais pequeno” é “errado”.

E assim voltamos ao ponto de partida: a eterna briga do certo e do errado. Espero que me perdoem pela repetição, mas não é uma questão simplista de certo ou errado. É uma questão de adequação. Usar “mais pequeno” no Brasil é tão inadequado quanto iniciar uma frase com um pronome átono em Portugal.

Por que eu teria de afirmar que alguém está falando “errado” quando o carioca fala “sinal”, o paulista prefere “farol” e o gaúcho usa “sinaleira”? Afinal das contas, é tudo semáforo.
2. Velharias ou antiguidades?

Assunto sempre interessante e polêmico é a história das cargas que algumas palavras apresentam.
Você se lembra da história da moratória? É moratória ou é calote? Dizem que não são sinônimos. Agora, independentemente de serem sinônimos ou não, uma certeza nós temos: quem chama moratória de calote está contra, ou seja, a palavra calote tem carga negativa.

Outro bom exemplo ocorreu na entrevista de um eminente político americano. Em inglês, o verbo to support (=dar suporte, apoiar) foi traduzido por “suportar”, o que causou certos constrangimentos no Brasil. A reclamação não se deve só à má tradução, mas sim a carga que o verbo suportar tem aqui no Brasil.

Já que falamos no assunto, é bom observarmos algumas diferenças existentes entre o português do Brasil e o de Portugal. Um caso curioso é o uso da palavra VELHARIA, que no Brasil tem carga pejorativa, negativa. Em Portugal, é comum encontrarmos lojas de antiguidades “a vender velharias”, como eles falam.

Curiosamente, certa vez encontrei um cartaz: COMPRO VELHARIAS – VENDO ANTIGUIDADES. Será que por lá eles também já estão fazendo a mesma diferença que nós fazemos por aqui?

Por fim, um episódio que me deixou intrigado. Falando com um motorista nascido na cidade do Porto, comentei sobre a venda de um jogador brasileiro para um clube italiano. Resposta do motorista português: “O Porto está aqui a despachar jogadores brasileiros para o resto da Europa.” O uso do verbo DESPACHAR me causou certa estranheza. Pensei que eles não estavam satisfeitos com o futebol do nosso craque. Eu estava enganado, já que o motorista, torcedor do Porto (adepto, como eles dizem), lamentava a venda do jogador brasileiro para a Itália.

Percebi, então, que não havia em DESPACHAR a carga negativa que eu estava atribuindo ao verbo. Significava apenas “passar adiante”, sem a carga negativa de “livrar-se” com a qual nós aqui no Brasil muitas vezes usamos o verbo DESPACHAR.
Portanto, se você não “suporta” o “caloteiro” que vende “velharias”, é melhor “despachá-lo” para bem longe.


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